Pela necessidade de se ter bolsas de sangue em cirurgias, Deolinda só pode ser operada quando o equipamento chegou à Capital, já que pela religião, não é permitida a transfusão de sangue
A paciente Deolinda Alves Bastos, de 55 anos, foi a primeira a realizar um procedimento cirúrgico utilizando um aparelho inédito no Estado. A máquina chamada Recuperação Intra-operatória de Sangue, veio de São Paulo a pedido da família de Deolinda, que pertence a igreja Testemunhas de Jeová.
Pela necessidade de se ter bolsas de sangue para qualquer procedimento cirúrgico, Deolinda só pode entrar na sala operatória quando o equipamento chegou à Capital. Já que pela religião, não é permitida a transfusão de sangue, a máquina “reaproveita” o sangue da própria paciente que se perderia na cirurgia.
Depois de ter um AVC (Acidente Vascular Cerebral), Deolinda passou por uma neurocirurgia nesta quinta-feira, na Santa Casa. O procedimento durou 7h, começou por volta das 10h da manhã e só chegou ao fim na tarde.
Adiado uma vez por falta de vaga no CTI (Centro de Terapia Intensiva) da Santa Casa, Deolinda foi a primeira paciente de Mato Grosso do Sul, mesmo com a máquina existindo há 25 anos.
A cirurgia pioneira pode abrir espaço para outros pacientes, a máquina não é só utilizada em casos de pessoas da religião Testemunhas de Jeová, mas também para aqueles que tem incompatibilidade sanguínea ou que por outro motivo, não possam se submeter a transfusão de sangue.
O equipamento chegou a Campo Grande acompanhado de uma biomédica especialista no manuseio. Paula Cristina Frutuoso conversou logo após o término do procedimento com o Campo Grande News e explicou. O sangue é aspirado, filtrado, centrifugado, lavado e somente as hemácias - glóbulos vermelhos, são devolvidos ao paciente.
Ao mesmo tempo em que a cirurgia acontece, a máquina está trabalhando.
De acordo com a biomédica, o aparelho é uma prática da medicina que envolve a recuperação de sangue perdido durante o procedimento e sua reinfusão no paciente.
Durante a operação, Deolinda perdeu pouco sangue. Segundo a biomédica, 125 ml de concentrado de hemácias foram recuperados através do equipamento.
Paula Frutuoso explica que em uma cirurgia de médio a grande porte é preciso no mínimo dois concentrados de hemácias. Cada bolsa custa em média R$ 600, dependendo de cada hospital, o valor já pagaria o kit usado na máquina para cada paciente.
“É para qualquer cirurgia de médio a grande sangramento, por exemplo, nas cardíacas, ortopédicas e de transplante, em que se usa muito sangue”, ressalta a biomédica.
O aparelho só não pode ser usado em casos de cirurgia intestinal e de tumores, quando o risco de contaminação é grande.
Ela ainda afirma que a máquina tem uma série de benefícios. “Não é só pela religião, mas também pela disponibilidade imediata de sangue fresco e a diminuição das reações imunológicas”, completa.
Por se tratar de um procedimento cirúrgico delicado, não foi autorizada a realização de imagens e fotografias dentro do hospital.
Tanto a especialista como a máquina só chegaram até a sala de cirurgia da Santa Casa porque a família de Deolina procurou um grupo de voluntários chamado Colih (Comissão de Ligação com Hospitais para Testemunhas de Jeová), existente em Campo Grande. A partir daí a Comissão agilizou a vinda do aparelho.
O presidente da comissão Jorge Caldas Feitosa fala que o grupo foi criado para pesquisar e divulgar técnicas de conservação do sangue, assim como terapias alternativas à transfusão.
“Esse é o trabalho da Coliy, intermediar o paciente com o médico. É a primeira cirurgia com a máquina no Estado e não é só para evangélico, mas, por exemplo, uma pessoa que tem sangue raro e que precise de transfusão”, acredita.
A cirurgia correu bem e foi realizada pelo neurocirurgião Elias Paulo Fernandes. Ao Campo Grande News ele contou que já tinha conhecimento do aparelho, mas nunca havia utilizado em um procedimento cirúrgico. “Achei excelente e a cirurgia foi um sucesso”, respondeu.
Ainda de acordo com o neurocirurgião, a máquina vai trazer um novo campo de reposição de sangue, não apenas para resolver questões de religiosidade, mas também para atender pacientes que não possa fazer a hemotransfusão.